Porque preciso de iodo?

O iodo é responsável pela síntese das hormonas da tiróide, que desempenham um papel crucial no desenvolvimento neurológico do bebé. Saiba como garantir um aporte adequado de iodo na gravidez.

O iodo é um oligoelemento essencial para o organismo, que tem como função a formação de hormonas da tiroide (hormonas tiroideias). Uma vez que não pode ser sintetizado pelo próprio organismo, o iodo tem de ser ingerido através da alimentação - recorrendo a fontes como produtos marinhos, leguminosas ou produtos frescos - e por via de suplementação nutricional como a utilização do sal iodado ou o uso de suplementos ricos em iodo.

Função do iodo e das hormonas tiroideias
As hormonas da tiroide, cuja síntese necessita de iodo, são essenciais à vida, desempenhando um papel fundamental no desenvolvimento e funcionamento de vários órgãos. No feto, o défice de hormona tiroideia afeta especialmente o desenvolvimento neurológico, com consequências diretas na capacidade cognitiva do bebé. Na criança e no adulto, a falta de hormona tiroideia interfere com o crescimento, o metabolismo e a regulação de várias funções do organismo, nomeadamente a frequência cardíaca, o trânsito intestinal, a temperatura corporal, o sistema nervoso, entre outras.

Como explica mafalda marcelino, médica endocrinologista e Chefe do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Forças Armadas, em Lisboa, o que torna o iodo tão importante é justamente o facto de este fazer parte da estrutura química das hormonas tiroideias, constituindo grande parte do seu peso molecular.

«O iodo é captado pela tiroide e entra no circuito de produção da hormona tiroideia. Se não houver iodo, não se consegue produzir esta hormona», introduz.

Responder às necessidades acrescidas
Mafalda Marcelino acrescenta que, na gravidez, as necessidades de síntese da hormona tiroideia estão aumentadas cerca de uma vez e meia, pelo que uma ingestão adequada de iodo desde a preconceção, à gravidez e ao aleitamento materno é crucial para favorecer uma correta maturação do sistema nervoso central do feto e o seu adequado desenvolvimento.

«Até às 20 semanas de gravidez, um bebé não tem capacidade de produção da sua própria hormona tiroideia, ou seja, depende totalmente da hormona tiroideia materna. Isto significa que temos que assegurar que as mulheres que engravidam têm quantidades suficientes de iodo para conseguir responder ao aumento da necessidade de hormona tiroideia existente na gravidez».

Fontes de iodo
O iodo é absorvido naturalmente pelo organismo através da alimentação. «A principal concentração de iodo está na água do mar, logo, os alimentos marinhos - como as algas e o peixe de mar - são os mais ricos neste mineral», explica a especialista. Os produtos frescos e as leguminosas são também fontes alternativas, mas a quantidade real de iodo nestes alimentos varia de acordo com o teor de iodo do solo, práticas agrícolas ou mesmo o tipo de alimentação/ração dada aos animais. Estes fatores fazem com que seja mais difícil estimar a quantidade de iodo por porção de alimento.

A utilização de sal iodado é também uma excelente fonte de iodo, no entanto, a ingestão excessiva de sal é desaconselhada em qualquer altura da vida e a gravidez não é exceção. A DGS recomenda a substituição de sal comum por sal iodado, mas a ingestão de sal deve ser reduzida. A política de iodização universal de sal é, aliás, a medida de saúde pública mais utilizada para combater o défice de iodo nas populações de vários países do mundo. Contudo, apesar de o seu uso ser recomendado, cada vez mais se associa uma maior incidência de doenças cardiovasculares ao consumo de sal, razão pela qual a sua utilização deve ser moderada. Para além deste problema, existe ainda um aumento do consumo de comidas industrialmente processadas. «Apenas 15 por cento do sal consumido provém da comida feita em casa, o restante resulta dos alimentos já fabricados. neste sentido, é preciso garantir que na indústria dos alimentos também seja usado sal iodado», sublinha Mafalda Marcelino.

Neste contexto, hoje em dia é difícil conseguir uma ingestão de iodo adequada apenas com a alimentação, sobretudo para uma grávida que deveria consumir 250 µg/dia de iodo para dar resposta não só às suas necessidades, mas também às necessidades do feto.

«Claro que os alimentos ricos em iodo são ótimos, mas na nossa dieta “mediterrânica”, em termos de ingestão, dificilmente serão suficientes. Apesar de ser importante para a grávida ingerir esses alimentos, isso não dispensa que esta população de risco deva fazer suplementação», explica a endocrinologista.

Grávidas portuguesas têm défice de iodo
Num estudo1 recente, realizado em Portugal, com base numa amostra de 3.631 grávidas, verificou-se que o aporte de iodo nas mulheres grávidas é insuficiente face às recomendações da Organização Mundial de Saúde, e que 83 por cento das grávidas do continente português consomem menos iodo do que o necessário. Este défice moderado de iodo tem sido confirmado em vários países da europa e do mundo, pelo que a suplementação com iodo na gravidez é hoje recomendada pela Organização Mundial de Saúde, pela Iodine Global Network, e outras associações cientificas internacionais na área da Endocrinologia, Pediatria e Obstetrícia.

Doses Recomendadas
Com base nos resultados do estudo português, a Direção-Geral da Saúde (DGS) lançou em 2013 uma orientação em que recomenda que «as mulheres em preconceção, grávidas ou a amamentar devem receber um suplemento diário de iodo sob a forma de iodeto de potássio – 150 a 200 µg/dia, desde o período preconcecional, durante toda a gravidez e enquanto durar o aleitamento materno exclusivo».


Consequências da deficiência de iodo
Quando o organismo não recebe um aporte adequado de iodo, não produz convenientemente as hormonas da tiroide, tão essenciais ao desenvolvimento fetal e infantil. Na gravidez, o organismo da mãe tem que sintetizar hormonas tiroideias “por dois”, para corresponder às necessidades que o desenvolvimento do feto impõe. Se o feto não for exposto a uma quantidade suficiente de iodo, este défice pode vir a comprometer uma adequada capacidade cognitiva da criança. daí que se sugira que a suplementação com iodo deva iniciar-se antes mesmo da conceção, à semelhança do que acontece com o ácido fólico. Como frisa Mafalda Marcelino, este cuidado permite garantir que a mulher possa engravidar com níveis adequados de iodo.


Desenvolvimento Cognitivo
A este propósito, a endocrinologista cita um estudo2 realizado em 2013 no Reino Unido, que avaliou o estado nutricional em iodo de mil grávidas, através do doseamento do iodo urinário do primeiro trimestre, e tentou relacioná-lo com o desenvolvimento cognitivo das crianças, analisando o seu desempenho em período escolar. Este estudo verificou que os scores do quociente de Inteligência (QI) aos 8 anos e da capacidade de leitura aos 9, foram inferiores em mulheres com iodos urinários mais baixos.

«Concluiu-se, assim, que défices ligeiros de iodo podem comprometer a capacidade neuro-cognitiva da criança e que, quanto mais baixo for o aporte de iodo, pior pode ser o seu desempenho cognitivo», colmata a endocrinologista.

Estou a ingerir iodo suficiente?
O défice de iodo não apresenta qualquer sintoma e é difícil saber quais as quantidades de iodo que uma grávida está a receber. A maior parte dos estudos epidemiológicos usam o iodo urinário como marcador, mas de acordo com a endocrinologista Mafalda Marcelino, não só esta análise não tem valor quando usada individualmente como, na verdade, não há razão para fazer análises individuais sobre os níveis de iodo, pois já foi provado, no maior estudo epidemiológico sobre o aporte de iodo em grávidas portuguesas, que a grande maioria têm níveis de iodo abaixo do recomendado e, por isso, beneficiam da suplementação.

A orientação da DGS é que a mulher receba um suplemento diário de iodo - 150 a 200 µg/dia, desde o período preconcecional, durante toda a gravidez e enquanto durar o aleitamento materno exclusivo.

1 Limbert et al. (2010) Iodine Intake in Portuguese Pregnant Women: Results of a Countrywide Study. Eur J Endocrinol ; 163: 631-635. 2 Bath S. et al. (2013) Effect of inadequate iodine status in UK pregnant women on cognitive outcomes in their children: results from the Avon Longitudinal Study of Parents and Children (ALSPAC), The Lancet ; 382: 331-337

Estou grávida
Depoimentos e revisão
Dra. Mafalda Marcelino, Médica Endocrinologista,
Chefe do Serviço de Endocrinologia
do Hospital das Forças Armadas.
Escrito por
Iolanda Veríssimo