Estratégias para aliviar a azia

Saiba o que provoca a azia, porque é que as grávidas são especialmente vulneráveis, e como minimizar este desconforto.

Não é invulgar vermos uma grávida queixar-se de azia. Na verdade, sete em cada dez grávidas vão sentir este incómodo, sobretudo a partir do terceiro trimestre.

O que é a azia, afinal?

Para compreender melhor o que se trata, temos de recordar que o tubo digestivo não é apenas e literalmente um “tubo” que conduz os alimentos, permite a sua absorção e lança os “desperdícios” para o exterior. Trata-se de um trajeto com plataformas, passando-se de umas para as outras em pontos-chave que estão pensados para que não haja um retrocesso. Do esófago para o estômago há um mecanismo valvular, o esfíncter esofágico inferior, que não devia permitir o refluxo do conteúdo do estômago de novo para o esófago; do estômago para o intestino existe algo parecido que é o piloro, etc.

Quando, por algum motivo, o esfíncter esofágico inferior se torna incompetente, acaba por permitir o refluxo gástrico; os alimentos no estômago, misturados com os ácidos que este produz, resultam numa mistura muito mais ácida do que quando esses alimentos passaram no esófago, pelo que este, não preparado para essa acidez, acaba por ficar com uma reação inflamatória (esofagite) quando esse refluxo é crónico.

Sintomas

Os sintomas desta irritação do esófago são uma sensação de queimadura que se pode estender desde a zona atrás do esterno (no peito) até à garganta e a sensação de acidez na boca, por vezes com refluxo de ácidos até à boca, com ardor e um sabor desagradável. É isto a azia!

Alimentos problemáticos

O que faz o tal esfíncter tornar-se incompetente? Sabemos que, na população em geral, há alimentos que favorecem o seu relaxamento, logo, interferem com a sua capacidade de encerrar de forma eficaz. Alguns exemplos são o chocolate, os fritos, o álcool, alimentos gordos, leite gordo, alimentos condimentados, menta e hortelã-pimenta e as bebidas gaseificadas. Há ainda fatores gerais associados à azia, como o tabaco e a obesidade.

Agravantes na gravidez

A gravidez apresenta ainda fatores agravantes, o que torna as grávidas umas candidatas sérias a terem azia: o ambiente hormonal é rico em progesterona, hormona que faz relaxar os órgãos ocos, nomeadamente o intestino, e os esfíncteres... o esofágico inferior incluído. Como se não bastasse, o aumento da pressão dentro do abdómen, causado pelo aumento de volume uterino, provoca, por si só, um empurramento do estômago no sentido de levar ao seu esvaziamento...para cima! Se a estes fatores, químico e físico, juntarmos o excesso de peso que pauta a gravidez de muitas mulheres, temos a receita para conseguir uma boa dose de azia diária!

Quanto ao mito de que a azia acontece porque o bebé tem cabelo... A única coisa que liga estes dois fatores (azia na grávida e cabelo do bebé) é a estatística. Mais de 70 por cento das grávidas tem azia...e mais de 70 por cento dos nossos bebés, sendo latinos... têm cabelo! São dois acontecimentos frequentes, pelo que a hipótese de que ambos ocorram na mesma grávida é elevadíssima! Será que os bebés nórdicos, loirinhos e carequinhas, têm as suas mamãs sem azia?

Dicas para aliviar a azia

Para além da correção da alimentação, eliminando os alimentos que agravam o refluxo, há algumas medidas simples que poderão aliviar esse desconforto:

1. Não se deite logo após uma refeição; aguarde duas horas antes de se deitar;

2. Eleve a cabeceira da cama com algo que sirva de calço por baixo da estrutura da cama, com uma altura de cerca de 15 cm; se não for possível, utilize mais uma almofada alta diretamente por baixo da sua cabeça, de forma a ficar menos deitada, quase semi-sentada;

3. Não use roupa apertada, prefira roupa larga e confortável;

4. Coma com frequência e em pequenas quantidades; mesmo sem este problema, o ideal é a grávida fazer cerca de 7 refeições ligeiras por dia;

5. Se possível faça uma pequena caminhada após as principais refeições; invente motivos para ficar em movimento, em pé, nem que seja por 15 minutos;

6. Não ingira muitos líquidos durante as refeições; deverá, preferencialmente, fazer a maior ingestão de líquidos entre as refeições;

7. Coma lentamente: quanto mais mastigar mais pastosa ficará a comida, protegendo mais o esófago na sua passagem e permitindo também ao estômago um mais fácil esvaziamento, contrariando a possibilidade de ficar uma eternidade no estômago e com maior facilidade refluir para o esófago.

8. Há uma mão cheia de alimentos que estão identificados como aliviadores da azia, como o gengibre, o mel, o funcho, aipo, flocos de aveia, etc. A forma de preparar os alimentos também tem relevância: as carnes brancas resultam sempre melhor do que as vermelhas, mas o ideal será, num prato de frango, retirar a pele, que é bastante gorda. O peixe geralmente é também bem tolerado, sobretudo grelhado ou cozido; o frito, pela quantidade de gordura que absorve, pode agravar a azia. Os vegetais verdes também funcionam muito bem na prevenção do refluxo. É o caso do feijão-verde, brócolos e saladas, evitando usar o tomate. O tomate, mesmo sob a forma de molho, como na lasanha ou nas almôndegas, não costuma dar bom resultado... Prefira acompanhamentos como o arroz integral, couscous ou bulgur, que compensam a acidez do estômago e têm a vantagem de, sendo ricos em fibras, promover um trânsito intestinal mais regular, o que favorece também o esvaziamento gástrico. Frutos como o melão, melancia, meloa, a banana e até o ananás são bem toleradas e não costumam estar associados a queixas, não acontecendo o mesmo com os citrinos. O iogurte costuma proporcionar alívio, assim como o leite morno (meio gordo) ou leite de aveia.


Atenção aos mitos
A água das pedras, pelo facto de ter gás, pode até agravar as queixas e a pasta de dentes não serve para outra coisa a não ser mesmo para escovar os ditos!

Se for necessário, pode sempre recorrer a um antiácido, falando previamente com o seu médico. Se houver refluxo anterior à gravidez, possivelmente terá mesmo de recorrer a outros tipos de fármacos, mas isso é sempre avaliado caso a caso, com o médico assistente.

Cada grávida é única

É importante lembrar que a espécie humana tem uma característica fantástica que é a diversidade. No entanto, esta característica explica também que alguns dos alimentos que estão identificados como causadores de azia podem não ser os causadores no seu caso. Identifique e evite os alimentos que lhe causam azia a si. Por outro lado, entre os que aparentemente causam alívio, haverá alguns que, pelo contrário, causam agravamento em um por cento da população. Também para isto deverá estar alerta e observar os que realmente a aliviam. Há grávidas que referem que quatro amêndoas sem pele fazem milagres, outras argumentam que tem de ser com pele, porque nesta é que está o segredo do alívio... Vá por si, e pela sua experiência!

Estou grávida
Escrito por
Dra. Marcela Forjaz,
Ginecologista-Obstetra
Edição
Iolanda Veríssimo